Como eu vejo o Vasco da Gama

por Professor Jorge Adelino (*)

 

Jorge Adelino

“Se existem em Portugal locais míticos da prática do Basquetebol (…), as Camélias sempre foram e são uma das referências obrigatórias da prática do Basquetebol que é sempre preciso assinalar.” Professor Jorge Adelino

Jorge Adelino 1“Há desafios e desafios!

Há aqueles a que não ligamos, por desinteresse. Há os que rejeitamos por não nos sentirmos capazes. Há também os que, pura e simplesmente, não queremos aceitar.

Mas há também os desafios difíceis de recusar. Mesmo que com atrasos (desculpa João Oliveira)

Hesitei por sentir que, muito provavelmente, não iria trazer nada de novo para o retrato que se pretende fazer de uma coletividade repleta de história e de momentos de glória, com serviços de grande qualidade prestados a uma juventude que dela beneficiou, ao longo de muitos anos.

Jorge Adelino 2Mas o assunto envolve emoções, afeto e o lado bom da memória, e com estes ingredientes é impossível não trazer algumas referências, naturalmente muito pessoais.

Vamos a isso!

Recuemos uns anos na história. Embora acredite que já antes tivesse ouvido falar do Vasco da Gama, atrevo-me a referir o momento mais concreto de que me recordo, do início da minha ligação com o Vasco da Gama, através do conhecimento e da convivência com um dos seus praticantes.

Jorge Adelino 3Estávamos no início do ano de 1968 e um grupo de jovens jogadores de todo o país reunia-se pela primeira vez na Cruz Quebrada, no velho palacete da Quinta da Graça, para um estágio de preparação tendo em vista uma prova da FISEC. Nesse grupo estava um jovem do Porto, com quem estabeleci desde logo laços de amizade e que logo soube que pertencia ao Vasco da Gama. Chamava-se esse jovem Aniceto Nogueira (como eu gostava de te dar um abraço, Aniceto) e desempenhava, como eu, a mesma função na equipa. Eramos, por isso, rivais, mas tal não impediu (porque haveria de impedir?) que ficássemos amigos. Era um jogador… à Vasco: agressivo, genicoso, rápido, tecnicamente evoluído, com um lançamento de fora muito rápido e eficaz.

A partir daí a vida do Vasco da Gama nunca mais deixou de ser um elemento que me fosse estranho, até porque foram vários os momentos em que os caminhos que eu percorria se cruzaram com o Clube. Primeiro como jogador, mais tarde como treinador.

Jorge Adelino 4Recordo uma primeira fase final do Campeonato Nacional de juvenis masculinos, em Leiria, no ano de 1971, em que o meu Algés participou, sendo eu o treinador da equipa. Recordo de estarmos a ver o aquecimento do Vasco (nosso adversário no jogo seguinte), de ouvir os meus jogadores a dizerem entre si que “eles são muito baixos e não jogam nada”. Obrigaram-me a intervir, avisando-os de que há uma grande diferença entre o aquecimento e o jogo, que não é preciso fazer “chicuelinas” no exercício de “duas colunas” para depois se jogar bem. Meu dito, meu feito. No jogo sofremos a bom sofrer, passando o jogo todo a correr atrás deles. E no final, os meus jogadores já não diziam o que tinham antes apontado.

Estes sinais de agressividade, espírito de luta, determinação, coletivismo, mas também de domínio dos fundamentos do jogo, apesar de normalmente serem jogadores de baixa estatura, surgiam nessa altura (e creio que ainda hoje) como elementos caracterizadores das equipas do Vasco da Gama, fossem elas quais fossem, fosse qual fosse o escalão e o campo onde jogassem.

Ainda como treinador recordo outro momento, já nos anos 80, em que, também numa fase final de juvenis masculinos, organizada segundo características, creio, não mais repetidas em Portugal, em que as 4 equipas (duas do norte e duas do sul) jogaram todos contra todos a duas voltas. Nessa equipa do Vasco despontava um jovem, de seu nome Pedro Miguel, com idade ainda abaixo da dos restantes jogadores, cuja característica que eu mais admirava era, sem dúvida, a da qualidade dos seus passes. Já aos 14 anos indicava o caminho brilhante que depois percorreu na nossa modalidade. Mais um grande jogador que, apesar do clube em que viveu o seu apogeu como atleta ter sido outro, ainda hoje eu não sou capaz de deixar de associar ao Vasco da Gama.

Jorge Adelino 5Como jogador sénior do Algés, os confrontos com o Vasco repetiram-se em várias épocas na 1ª divisão de então, com os resultados a alternarem-se entre vitórias e derrotas, mas sempre em jogos renhidos e leais, mesmo que intensos e agressivos.

É curioso que nessas épocas, mesmo sem o Vasco estar presente, vários jogadores da escola do Vasco da Gama (espero não me enganar) estiveram na base de uma outra grande equipa do Porto (o BPM) que, em seniores, andou pela ribalta do Basquetebol português. E como, por vezes, era difícil de perceber a forma como aqueles 3 enormes jogadores (Dias Leite, Marcelo e Casimiro) nos trocavam as voltas (e muitas vezes os olhos…), dando verdadeira lições de como jogar bem ao Basquetebol.

Tive outro momento de aproximação física ao Vasco da Gama quando, no Porto, a cumprir serviço militar, decidi estabelecer um contacto com o Clube e estive na sua sede algumas vezes, em amena cavaqueira com treinadores do Minibasquete desse tempo, de que recordo os nomes do Domingos e do Mário. Esses momentos deram-me mais uma imagem da vida do Clube: proximidade entre as pessoas, solidariedade entre os seus membros, trabalhar ao serviço dos outros, colocando o interesse coletivo como mira, existência de pessoas mais velhas que estabelecem as regras de respeito e disciplina que são seguidas e aceites por todos, em particular pelos jovens jogadores, tudo isso num cenário onde impera uma enorme paixão pelo Basquetebol. Esta amizade entre os seus membros e o amor ao clube continuei a ver, mais tarde, como mero espetador, quando acompanhava as fases finais de cadetes e juniores, onde muitas vezes encontrava as equipas do Vasco e, com ela, a sua claque, tão barulhenta como apaixonada e colorida.

Jorge Adelino 6Se nessa visita ao Vasco da Gama pude estar frente a frente com um grande nome do Clube, seu dirigente histórico e jornalista/diretor do jornal onde mais se escrevia sobre o Basquetebol (Alves Teixeira e o Norte Desportivo), foi nela que travei conhecimento com o senhor Manuel Nunes, com quem comecei a construir então uma amizade sólida, sustentada por muito respeito e admiração da minha parte, que durou sempre, mesmo sem nos falarmos durante vários anos e que, infelizmente, foi bruscamente interrompida há algum tempo, sem que os os laços de afeto que existiam fossem apagados.

Para além de uma ou outra questão pessoal que guardo para sempre, mas cujo teor prefiro preservar só para mim, quando falo do Vasco da Gama não posso deixar de referir um outro elemento que, infelizmente, nunca visitei, sobretudo na sua forma original: o Parque das Camélias. Se existem em Portugal locais míticos da prática do Basquetebol (ora aí está um tema bem interessante que poderia ser desenvolvido a nível nacional…), as Camélias sempre foram e são uma das referências obrigatórias da prática do Basquetebol que é sempre preciso assinalar.

Ao chegar ao final deste retrato, desenhado com as cores da minha memória emotiva e afetiva, resta-me dar um último retoque. Sei que hoje o clube continua vivo e bem vivo, que cresceu na dimensão humana e material, sem perder, ao que julgo saber, os valores por que sempre pautou a sua existência. Que as Camélias já não são o que eram, fisicamente, embora continuem a ser uma porta aberta para a entrada de muitos novos praticantes. Que outras pessoas tomaram as rédeas do Clube e lutam para que ele continue o seu rumo, reforçando algo que não se pode comprar, que é apenas alcançado com o passar de muitos anos, mas que dá aos clubes que a possuem, uma força ímpar na luta pelos seus valores e pelos seus objetivos: a tradição da prática Basquetebol, a existência de uma “escola” que os anos fizeram consolidar.”

Jorge Adelino 7

MUITO OBRIGADO PROFESSOR JORGE ADELINO

 

Nota:

(*) O Professor Jorge Adelino Soares tem toda uma vida ligada ao basquetebol, jogou e treinou o Algês, treinou o SL Benfica e a Seleção Nacional de Juvenis e contactou o Vasco da Gama, pela 1ª vez, em 1968. Trabalhou para a Direção Geral dos Desportos (agora IDPJ) e é o autor do livro “As coisas simples do basquetebol”. Foi preletor em muitos Clinics e Cursos. O Professor Jorge Adelino, para além de um conhecedor único do jogo e dos seus “simples” mas diferenciadores detalhes, também se destacou pela personificação de valores, como o desportivismo e a ética desportiva, pelo exemplo de saber estar e pela generosidade de servir o basquetebol.”

Deixe um comentário